Revista de medicina do CFM.
A dengue e a febre amarela são endemias graves e extremamente perturbadoras da vida social, com grande possibilidade de difusão, têm seu contágio devido aos mesmos vetores o Aedes aegypti (na contaminação urbana) e o Haemagogus (na contaminação silvestre da febre amarela). Essa coincidência de agentes transmissores faz com que haja superposição das duas enfermidades em uma mesma população. A dengue pode ser definida como doença infecciosa viral para a qual não há vacina, pode ter gravidade variável e é transmitida geralmente pelo mosquito Aedes aegypti. A forma hemorrágica pode ser grave, freqüentemente letal. Mais recentemente, apareceu no Brasil uma espécie de Aedes importada da Ásia, o albopictus, que pode ser a mais nova ameaça a ser enfrentada pela Saúde Pública nacional. A febre amarela também é uma enfermidade viral, grave, mas para a qual existe vacina eficaz. No Brasil, há relatos de casos de dengue desde os meados do século XIX. Em 1958, a OPAS – Organização Pan-americana de Saúde confirmou a erradicação do Aedes aegypti no Brasil. Em 1967, o mosquito reapareceu no Pará e, com ele, as moléstias que veicula. Em 1970, a SUCAM começou a coordenar e a realizar a parte mais expressiva dos trabalhos de controle da endemia e retomou a “prática do matamosquito”, fazendo um trabalho de domicílio em domicílio, de porta em porta em todo país. Em 1990, no governo Collor, a SUCAM foi extinta e, por coincidência ou não, desde então houve aumento expressivo dos casos, em progressão constante. A cada ano, a doença se repete no Brasil com amplitude crescente. É possível prever sua reaparição neste verão, sem qualquer dúvida. Em relação à dengue, o maior número de casos se concentra no período de chuvas, época em que as condições ambientais são propícias para o desenvolvimento e proliferação do vetor. A partir de 1994, as epidemias têm apresentado maior vulto, espalhando-se para todas as regiões geográficas. Nos sete primeiros meses de 2007, o Brasil registrou 438.949 casos de dengue, o que representa aumento de 45,13% em relação ao mesmo período de 2006, quando 302.461 pessoas tiveram a doença. Os estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio de Janeiro, em números absolutos, concentram mais de 85% do aumento do número de casos registrados (136.488). E os casos continuam subindo, com o agravante de agora matarem mais, já que a forma hemorrágica tornou-se mais freqüente. Paralelamente com o renascimento da dengue e a ampliação de sua virulência, ocorre o risco da reurbanização da febre amarela, que já havia sido superado há muito. Neste ano, já houve casos de febre amarela urbana. Esta doença possui duas formas bem características de transmissão: a primeira, através da picada do mosquito Aedes aegypti, também transmissor do vírus da dengue, que ocorre em áreas urbanas, e a segunda, através de picadas de mosquitos de hábitos silvestres do gênero Haemagogus. No Brasil, a forma urbana da febre amarela está erradicada desde 1942. Persiste, no entanto, a ocorrência da forma silvestre, uma vez que o vírus circula, predominantemente, entre os mosquitos e algumas espécies de macacos. O homem, ao penetrar na mata, sem a devida proteção conferida pela vacina, torna-se susceptível a contrair a doença. Graças à sazonalidade da doença, o número de casos de dengue tende a diminuir por agora e, por sua vez, a febre amarela, está sendo combatida através da vacina. Porém, emerge a pergunta: como serão os próximos anos? A temporada das chuvas sempre retorna, será que sem um programa efetivo iremos sobreviver? É por estas e outras que todos têm motivo para sentir saudades da SUCAM, de seu exército de mata-mosquitos, de seus planejadores nacionais, regionais e locais, de sua disciplina, de sua organização, da eficácia de seu trabalho. O combate mais ou menos sistemático a essas endemias no Brasil foi realizado desde a primeira metade do século XX pelo Departamento Nacional de Saúde Pública do Ministério da Saúde. Em seguida, este papel coube à SUCAM (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública do Ministério da Saúde), que resultou da fusão da CEM (Campanha de Erradicação da Malária, 1965 - 1967) com o DeNERu (Departamento Nacional de Endemias Rurais, 1956 – 1967). Em 1990, a SUCAM foi extinta, depois de ter formado um verdadeiro exército de técnicos extremamente competentes e dedicados à sua tarefa. Ademais, a SUCAM foi estruturada como uma organização nacional sistêmica em função de seus objetivos. Organização que ocupou todo território nacional, das maiores cidades às mais longínquo habitações por mais primitivas que fossem e por mais distantes que estivessem. Não havia casa no país onde não se encontrasse um papelito com o registro da atividade do agente sanitário. Finalmente, o órgão foi extinto e seu contingente humano dissolvido pelos municípios ou transferido para outras entidades. Com a extinção da SUCAM, desapareceu uma das melhores agências de controle de endemias e epidemias do mundo. Medida política baseada em uma fantasia (ou em uma falácia) que pretendia ser municipalista, mas se reduziu a ser prefeiturista (de prefeito e não de prefeitura). A heterogeneidade populacional dos municípios brasileiros não permite que sejam usados como modelo administrativo de coisa alguma. A falta de continuidade da gestão municipal prejudica toda pratica sanitária ali desenvolvida. A propósito, pode-se sustentar que a unidade política, operacional, técnica e administrativa mais elementar do sistema sanitário deve ser o distrito sanitário. O município, tal como existe no Brasil e que não pode conter um distrito sanitário, não se presta a esta serventia. A realidade atual das atividades de saúde comprova tal proposição. A nova fantasia de consórcios intermunicipais só se concretiza, se os prefeitos se entendem. Não parece justo pretender que somente o desaparecimento da SUCAM teria determinado o ressurgimento de enfermidades já desaparecidas ou das outras mazelas sanitárias. A urbanização desordenada, a favelização, a corrupção desenfreada, a degradação dos recursos sociais e educacionais, além de outras influências nefastas, fazem seu papel neste processo, papel que pode ser muito mais relevante que qualquer outra variável. Mas que a SUCAM está fazendo imensa falta está.
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