terça-feira, 24 de março de 2009

Dengue.



A guerra contra os mosquitos:


Ao derrubar árvores e interferir na natureza, o homem se expõe a doenças provocadas por insetos vetores de micro-organismos. O perigo chega às cidades que não aprenderam a controlar essa ameaça.

Texto: Sérgio Adeodato


http://horizontegeografico.terra.com.br/i


Pesquisadores se expõem ao risco de picadas de mosquitos para capturar o inseto.

A rotina do biólogo carioca Jerônimo Alencar nas matas próximas do rio Paraíba do Sul, município de Simplício (RJ), incluiu uma prática arriscada que poucas pessoas se atreveriam a experimentar. Trata-se de um perigo “calculado”: durante uma semana, Alencar e outros pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição que realiza estudos sobre a biologia e ecologia de mosquitos vetores de doenças no Brasil, cedeu o braço como isca para o pouso de mosquitos que picam humanos para se alimentar de sangue e, que, no ato, podem transmitir malária e outros males.

O ritual inclui a habilidade de evitar a picada e capturar o inseto em um tubo de ensaio para estudo posterior em laboratório. O objetivo nesses casos é medir a quantidade e observar o comportamento dos mosquitos no entorno de grandes obras que podem provocar impactos ambientais sobre a saúde das populações de sua área de influência. Especificamente, a usina hidrelétrica de Simplício, em fase inicial de obras, prevista para entrar em operação em 2012.

Tais estudos de vigilância epidemiológica são obrigatórios quando a ação do homem pode provocar grandes alterações na paisagem e modificar os ecossistemas. A abertura de estradas, projetos de expansão agropecuária, garimpo e hidrelétricas têm alto poder de multiplicar casos de doenças. Com o desmatamento e os fluxos migratórios decorrentes, mosquitos que antes se alimentavam de sangue de animais silvestres passam a picar a população em áreas onde não havia adensamentos humanos.

Para saber se a população da região de Simplício poderia se expor a esse risco, a equipe da Fiocruz instalou armadilhas luminosas nas matas que seriam alteradas e assim recolher os insetos enganados pela luz. Sem esquecer as larvas deixadas em buracos de árvores, frutos caídos, córregos e outros lugares com água onde os ovos costumam ser depositados.

A ameaça da dengue

Mas o perigo não mora apenas em áreas desmatadas recentemente. A dengue, doença infecciosa febril, causada por um vírus, é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, que parecia ter sido erradicado do Brasil e de outros países da América Latina. A urbanização acelerada e a lentidão do governo em reestabelecer medidas de vigilância epidemiológica acabaram facilitando a volta desses transmissores. Isso foi possível porque eles encontraram as condições ideais para se reproduzir em pneus e ferros-velhos, mas também em depósitos de lixo e em locais de água limpa e parada, como vasos de plantas e cisternas, comuns nas grandes cidades.

Com maior quantidade de mosquitos transmissores e de criadouros onde eles podem colocar os ovos, cresceu o número de pessoas expostas à infecção. Atualmente, a dengue é a doença transmissível mais preocupante no Sudeste, tendo sido registrados quase 250 mil casos no Estado do Rio de Janeiro, com 174 mortes durante o ano de 2008 e a ameaça de números igualmente alarmantes para 2009. Preocupa também o fato de que o vírus da dengue se divide em quatro tipos diferentes, que podem causar tanto a manifestação clássica da doença quanto a hemorrágica, muito mais grave. Após a introdução do tipo 2 na região do Rio de Janeiro em 1991, foi observado que os sintomas dos doentes se agravaram e, em 2001, com a epidemia do vírus tipo 3, a doença ficou mais séria ainda. Sete anos depois, com o retorno do tipo 2, surgiram os casos letais para quem já tinha sido infectado anteriormente.

Na realidade, o surgimento da dengue é resultado da expansão do homem para áreas de floresta há muitos séculos, provavelmente na África. “No meio silvestre, o vírus era mantido sob controle, sendo transmitido de forma inofensiva por insetos para macacos que não desenvolvem a doença”, explica Anthony Érico Guimarães, pesquisador da Fiocruz. Esses insetos acompanharam o homem em suas migrações e, provavelmente, chegaram ao Brasil com os navios negreiros há mais de 100 anos. Também por navios, foram levados para o Sudeste Asiático, sul do Pacífico, ilhas do Caribe e outros países da América Latina.

O susto da febre amarela

O mesmo Aedes aegypti, que transmite à dengue, é o responsável pela disseminação de outra doença grave: a febre amarela urbana, considerada o maior problema de saúde pública no Brasil de meados do século 19 até o início do século 20, sendo objeto da ação de grandes sanitaristas como Oswaldo Cruz (veja texto na página seguinte). Existem dois tipos de febre amarela: a silvestre, transmitida pela picada do mosquito Haemagogus, e a urbana. Nos dois tipos, os transmissores são diferentes, mas o vírus e a doença são iguais. Uma vez infectada em área silvestre, a pessoa pode, ao retornar para a cidade, sevir como fonte de infecção para o Aedes aegypti.

A forma urbana da doença foi erradicada em 1942. No entanto, a febre amarela silvestre não é erradicável, já que circula naturalmente entre primatas das florestas tropicais. Embora exista uma vacina para controlá-la.

Normalmente, quem vive ou se dirige às áreas de risco, como zonas de florestas e cerrados, onde subsiste a febre amarela silvestre, recebe a vacina para se prevenir. Mas sempre existe o temor de que uma pessoa infectada pela forma silvestre da doença retorne para áreas da cidade onde existe o mosquito da dengue e reintroduza a febre amarela urbana. Foi esse temor que levou muita gente a procurar os postos de vacinação no verão de 2008, quando a doença vitimou alguns praticantes de turismo ecológico e rural na Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso (GO). Além disso, os órgãos de vigilância foram acionados após a morte de macacos infectados em matas próximas de cidades do Centro-Oeste, de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Mesmo assim, não existe possibilidade de uma pessoa contrair a doença sem ter estado em região de mata.

A luta contra a malária

Para a pesquisadora Miriam Rafael, do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, saber quais são as espécies de mosquitos vetores de doenças e onde e como atuam é essencial para sugerir medidas de combate. “É preciso estar sempre atento com esses mosquitos”, alerta. Miriam é especialista em malária, doença causada por um protozoário e transmitida inicialmente pela picada do Anopheles. Também trazido pelos colonizadores, o mosquito, desde os tempos da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, entre a Bolívia e o Estado de Rondônia, constitui um obstáculo para a ocupação da floresta. Tanto que, para a radialista Mara Régia Costa, que desenvolve trabalhos com mulheres de comunidades tradicionais, “o mosquito é a salvação da Amazônia; se não fosse ele, a floresta já teria sido toda destruída”.

Na década de 1970, os projetos de desenvolvimento da Amazônia, com abertura de estradas e construções de hidrelétricas, provocaram alterações ambientais que levaram a um surto excepcional da doença. É bem conhecida, por exemplo, a relação ecológica entre a malária e os grandes reservatórios de usinas hidrelétricas, pois os mosquitos necessitam de ambiente aquático na fase de larva. A região da hidrelétrica de Serra da Mesa, no rio Tocantins (GO), chegou a registrar 150 mil casos por ano. Teme-se que surto semelhante possa ocorrer agora com as novas obras previstas em Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO), se não forem tomadas medidas de controle epidemiológico.

Miriam explica que o mosquito da malária possui alta capacidade de adaptação a diferentes microambientes amazônicos para a sua reprodução. Aliado a isso, fenômenos naturais cíclicos, como as cheias e as vazantes dos rios, favorecem mudanças no número de mosquitos. Nos períodos mais secos, os casos são mais comuns. Mas o perigo é maior nos locais onde o complexo homem-floresta-inseto está em desequilíbrio por causa dos garimpos, queimadas e derrubadas de árvores e das migrações para áreas urbanas. Por esses fatores, a cidade de Ariquemes (RO), próximo à BR-364, foi por 20 anos a capital nacional da malária e hoje é cenário de projetos inovadores para o controle da doença.

Além de coletar mosquitos naquela região para suas pesquisas, Miriam e sua equipe trabalham na região do lago Coari, no Estado do Amazonas. A floresta ali é cortada pelo gasoduto Urucu-Manaus, previsto para ser inaugurado pela Petrobras em 2009 para abastecer o polo industrial da capital amazonense. Os pesquisadores do Inpa estudam os genes do Anopheles darlingi, a espécie do mosquito mais comum no Brasil, com o objetivo de obter informações sobre a sua resistência a inseticidas e saber se há uma maneira de bloquear o desenvolvimento do Plasmodium.

O estudo da leishmaniose

Mas essa é a pesquisa realizada no laboratório. No campo, a atuação dos especialistas conta com o apoio de técnicos caboclos que conhecem melhor do que ninguém como evitar a doença. “São como ninjas, sabem onde andar e pisar”, brinca a bióloga Francismeire Gomes, também do Inpa, mas especializada no estudo de uma doença igualmente preocupante: a leishmaniose, proveniente de um parasita microscópico, transmitido por insetos chamados flebótomos. Antes restrito ao meio rural, onde picavam apenas raposas, gambás, tatus, preguiças e outros bichos silvestres, o inseto agora não poupa cães e o próprio homem e assim se aproxima dos centros urbanos. Como no proposto para o controle de outras doenças, Francismeire também procura atrair os flebótomos para poder estudá-los. Para isso, utiliza uma placa de alumínio embebida em óleo dentro de uma gaiola, onde coloca uma isca animal – normalmente gambás. Após a picada, os insetos ficam pesados, caem e se lambuzam de óleo, quando então são aprisionados.

Outros mosquitos, outras doenças

Segundo a Organização Mundial da Saúde, doenças provocadas por insetos, hospedeiros de vírus, bactérias ou parasitas matam todo ano milhões de pessoas e fazem adoecer outras centenas de milhões. É o caso da oncocercose, que pode causar cegueira, provocada por um verme transmitido de uma pessoa infectada a outra por meio da picada do pium. A doença está restrita a Roraima, onde vem sendo controlada. O mesmo mosquito do gênero Simulium provoca apenas picadas doloridas em quem passeia nas matas da Serra do Mar, onde é conhecido como borrachudo. Por tudo isso, a Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde precisa ficar atenta e controlar a disseminação desses insetos.

Cientistas brasileiros começam este ano a estudar as aves migratórias do Pantanal vindas da América do Norte para saber se elas estão trazendo o vírus do oeste do Nilo para o Brasil. Essas aves infectadas podem encontrar espécies de mosquitos do gênero Culex (que sugam o sangue de aves) que depois são capazes de transmitir o vírus ao homem. Foi assim que ela se espalhou nos Estados Unidos, inclusive em Nova York, entrou pelo Caribe e chegou na Venezuela.

Estuda-se também o impacto do aquecimento global no comportamento dos mosquitos e, conseqüentemente, na transmissão de doenças. “A relação é complexa”, afirma o pesquisador Ulisses Confalonieri, da Fiocruz, que integra o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas encarregado de estudar as mudanças provocadas pelo aquecimento global.

“Prevê-se, por exemplo, que o mosquito da malária não sobreviva na Amazônia, se ela ficar mais quente. No entanto, se o aumento da temperatura reduzir o escoamento superficial das chuvas, haverá mais água parda, ou seja, mais criadouros de mosquitos.” Confalonieri iniciou neste ano um amplo estudo científico, cruzando diversos fatores ambientais, climáticos e sociais para tirar conclusões mais precisas sobre o impacto das mudanças previstas no clima sobre os vetores das doenças no Brasil.

Mas as previsões não são boas: o transmissor da dengue, por exemplo, normalmente demora de dez a 12 dias para se transformar de ovo em adulto, dentro das condições médias de clima. No verão mais quente e úmido do Rio de Janeiro, o ciclo passa a ser de seis a oito dias, o que significa a existência de mais insetos. Estuda-se o que poderá ocorrer se a temperatura global aumentar em média 2 graus nos próximos 50 anos, conforme as previsões do IPCC.

http://horizontegeografico.terra.com.br/i

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário